terça-feira, 22 de outubro de 2019

THE DEATH OF PROGRESS

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo

THE DEATH OF PROGRESS – Bernard James – Alfred A. Knopf – 1973:

Conservo o título original porque a tradução do texto é minha

Pg. 15: A ideia fundamental no pensamento de Charles Sanders Pierce é que o ‘real’ é separado daquilo que acreditamos dele. É aquilo ‘cujos caracteres são independentes do que se pode pensar ser’. É independente, entretanto, ‘não necessariamente do pensamento em geral, mas somente do que você ou eu ou um número finito de homens pensam dele’ (real). A objetividade tem sua cota de subjetividade, inevitavelmente uma coisa pública. Não podemos simplesmente considerar que a realidade é aquilo que cada um de nós produz ou que aquilo que é verdade para você pode não ser para mim. O ‘real’ está indubitavelmente ‘além’, separado daquilo que o indivíduo pode crer dele’...

‘Uma vez dada a noção de que o real e aquilo que nós pensamos são coisas distintas, uma teoria de sentido diz que o que dá utilidade a uma opinião é o grau daquilo que ela corresponde a realidade. O uso implica, ou fornece um contexto para a ideia, e esse contexto são as consequências que lhe seguem’... ‘Assim, o significado de uma ideia ou opinião, ou hábito – que é uma ideia em nossa rotina – depende da concordância dela com a realidade, e sua verificação pelo uso. O peso que podemos botar numa ideia, uma opinião, varia como resultado do número de testes na qual ela está exposta. Ou, como Hans Reichembach coloca, ‘peso é aquilo que o grau de probabilidade fornece se ela é aplicada num simples caso’. Entretanto, verdade absoluta, peso absoluto, seria o mesmo que uma predição sem erro. Não chegamos a esta condição, embora nos aproximamos assintomaticamente quanto mais expomos uma ideia ao uso e a verificamos. Mas desde que uma ideia pode ser derrotada por investigação posterior, o peso é sempre relacionado com a frequência de testes.

Pg. 18: O gênio dos ingleses foi sua percepção intuitiva de que nos assuntos humanos muito mais é decidido por acidente e inépcia que por intenção.

Pg 26: Conclui que organizações centralizadas tendem a fazer menos porém maiores erros que organizações descentralizadas.

Pg. 31 – Cita exemplos de como a Ideologia do Progresso cria algo e seu efeito nocivo na natureza e na saúde humana. Podendo ser efeitos colaterais de primeira, segunda, terceira, quarta ou quinta ordem de grandeza. ‘Se a distância entre cada boa intenção e seu efeito colateral aumenta, a predicabilidade diminui’... Mas a diferença entre um efeito colateral vantajoso e um desvantajoso é que podemos sobreviver por sorte’.

Pg. 43: Algo mais acontece para fazer o mundo da ciência e tecnologia num ‘novo’ fenômeno. A especialização fragmenta a experiência em ‘dados’ e a quantificação achata a experiência onde um ‘fato’ é tão importante como qualquer outro ‘fato’. O mundo torna-se uma caricatura nominalista, um borrifo de eventos, cada qual desconectado do outro, cada qual sem contexto, como contas caindo de seu rosário. A quantificação destrói a coesão ideológica da experiência, e o conhecimento torna-se uma coisa perversa e vazia; e logo se torna impossível determinar que cientista está fazendo algo significante e qual algo trivial. Ela nivela a distinção entre homens ordinários e excepcionais. É por isso que a ciência e a tecnologia tornaram-se singular expressão da cultura do homem-massa moderno, capaz de absorver milhares – de fato dezenas de milhares – de homens de talento limitado, bem como de crua sensibilidade ética, ao mesmo tempo que eles exibem a arrogância peculiar de especialistas, a arrogância do ‘ignorante ilustrado’, como Ortega y Gasset chamou-o’.

Pg. 47: Em 1229, quando estudantes na Universidade de Paris revoltaram-se em protesto contra o custo de vida, bem como da qualidade do vinho das tabernas, o Papa Gregório IX lançou uma bula concedendo aos estudantes a liberdade de regularem seus assuntos próprios, incluindo o direito de suspender as aulas.

Mas quando olhamos as universidades como sistemas naturais percebemos que elas estão com a maioria das boas posições ocupadas por multidões de especialistas, e que as relações desses especialistas com outros são meticulosamente reguladas por uma teia complexa de regras simbióticas de comensais e convidados-parasitas.

Pg. 65: Muitos escritores comentaram a tendência para a abstração nas artes. Em 1906, Wilhelm Worringer observou que a tendência para a abstração parece ser motiva pelas ansiedades da vida incerta, e que entre os povos primitivos formas abstratas e motivos decorativos são usados para ‘estabelecer um mundo estável além do mundo das aparências’, para reduzir o ‘tormento da percepção’. Num ambiente agreste e incerto, ele sugere, os homens produzem formas abstratas, e num ambiente mais benigno eles se voltam para formas naturais e uma empatia com a natureza, e produzem ‘auto-deleite objetivo’.

Pg. 73: O recuo da consciência segue o colapso da crença central da nossa era, a crença no progresso infinito. Mas não podemos recuar para valores e crenças tradicionais, para tempos que exalam dissensão e decadência. Devemos inventar novos deuses e levantar novos templos.

Pg. 85: Há numerosos testemunhos em antropologia para indicar que em muitas culturas tradicionais e primitivas existem crenças que restringem a taxa de mudança cultural e, procedendo assim, protegem o relacionamento da cultura com o meio ambiente. Os aborígenes australianos, por exemplo, que definiam um passado mítico, usavam como referência para determinar as mudanças que na cultura viva poderiam ser toleradas. O efeito era minimizar mudanças e maximizar a estabilidade. As crenças animistas tinham influências de controle similar. Quando os espíritos acreditaram-se habitar os rios, montanhas, plantas e animais, a resposta do meio-ambiente será diferente daquela do moderno construtor de casas.

Pg. 98: Sócrates argumenta se é melhor ser um porco feliz do que um homem infeliz.

Pg. 100: Se nós pensamos sobre a nossa auto-imagem como pensamos ser, e de nossa auto-imagem-refletida como nós pensamos que os outros pensam quem somos, nós podemos medir a necessidade de mudança de personalidade como a tensão entre as duas.

Pg 102-103: Jean Paul Sartre diz que a diferença entre o mentiroso e o auto-impostor é que o mentiroso é capaz de ficar distinto do objeto da mentira, e assim permanecer consciente de sua falsidade. Durante o auto-engano, uma conspiração entre o ‘Eu’ e o ‘Outro’, age e a distinção Eu-Outro entra em colapso. O Eu aprende a pretender que ele não pode reconhecer o que o Eu refletido espera dele....

O resultado da conspiração do auto-engano é um rebaixamento da consciência – até da parte desmembrada da personalidade – e sua redução a uma coisa que não pode fazer suas inexoráveis demandas sobre nossa probidade. Quando um indivíduo ‘se entrega’ a uma causa, por outro lado, ele reduz sua consciência da mesma forma.

O processo de auto-engano, como Sartre aponta na Psicanálise Existencial e Kierkegaard ilustra no ensaio Shadowgraphs (Either/Or) não é uma coisa estática. É um contínuo jogo de esconde-e-procura, um regresso sem fim de encarar e iludir o que se vê. Isto significa que o ‘inconsciente’, como ordinariamente entendemos o termo, para descrever o que não estamos cientes e por isso não responsáveis por, é em si mesmo auto-enganador. Pois, como Sartre insiste, um censor psicológico deve saber o que censurar se ele é capaz de censurar. O auto-engano é sempre algo mais perverso, algo mais deliberado, como uma mentira, uma conspiração contra o Eu, contra a consciência – um pecado contra o Espírito Santo, como os teologistas dizem, por sua própria natureza imperdoável.

Pg. 104: Sabendo de sua derrota por Charles XII da Suécia na batalha de Narva, Pedro o Grande mandou estrangular o mensageiro. Durante o final da II Guerra Mundial, Hitler acolhia as más notícias de forma similar, como fazia Stalin. Todas as organizações (lembrem-se da Union Carbide) enfrenta o mesmo problema de comunicar más notícias. Quando somente boas notícias são bem-vindas, os subordinados rapidamente se ajustam para serem sicofantas, e enquanto o líder orgulha-se de si mesmo, as disparidades entre o que ele pensa e o que os outros pensam podem crescer para proporções explosivas.

Em certo grau, todos nós temos problemas em face de fatos desagradáveis, e podemos desenvolver perigosas ilusões para evitar a dor de assim proceder.

Pg. 105: É possível todo um povo enganar-se a si mesmo, esconder-se atrás da opinião pública, procurando segurança em números. A intolerância que se mascara como ‘fina tradição antiga’ no sul dos EUA, tradição que não são finas nem velhas, é um exemplo.

Pg. 128-129-130-131: Wallace indica que os movimentos de revitalização movem-se através de fases distintas. Um período inicial no qual prevalece uma estabilidade relativa; uma segunda fase na qual o stress se desenvolve; uma terceira na qual o stress coletivo atinge níveis intoleráveis e uma quarta no qual aparecem os oradores de uma nova ordem, um novo equilíbrio social ou condição estacionária. Como uma ou outra ‘solução’ é selecionada e ganha aceitação, a vida social novamente passa para as regras de formas institucionais e a necessidade de outros messias declina.

O primeiro estágio é a condição de equilíbrio dinâmico entre a cultura e seu ambiente. A cultura encontra as necessidades do povo; o stress é limitado e a tensão tolerável. Deus está no céu, os pregadores em seus altares, os celeiros estão cheios e as mesas são servidas com abundância. As coisas cotidianas da vida estão bem a mão.

O acréscimo de stress dentro da cultura, o segundo estágio do processo, aparece imperceptivelmente. Pouco a pouco, a malha entre as partes institucionais da cultura piora e a cultura torna-se menos confiável em analogia com o ambiente externo. Seus valores preditivos e capacidade adaptativa começam a declinar. Há um crescente nível de conflito moral no sistema quando a diferença entre o que as pessoas fazem e o que professam aumenta. O elo entre o comportamento mais frequente e o comportamento mais desejável se distancia. Um dos sinais errados que aparecem, em outras palavras, é a hipocrisia social.

A terceira fase do processo é o que Wallace chama um período de ‘distorção cultural’. É uma versão exacerbada da segunda fase. A cultura cada vez mais falha em satisfazer as necessidades básicas. Um elevado nível de ansiedade pública desenvolve-se e expressa-se num amplo conjunto de respostas, semelhantes aquela do indivíduo psiquiatricamente perturbado. Interpretações romantizadas dos ‘velhos bons tempos’ podem aparecer junto com o mais rançoso cinismo – Adolf Hitler proclamando ‘quando ouço Wagner, me parece que ouço ritmos de um mundo passado’, mesmo quando projeta a mais covarde carnificina.... Poderão haver francos esforços de difundir pronunciamentos políticos banais como ‘Mein Kampf’ ou o livro vermelho de Mao, como força mística e grande significância. Resposta do tipo bodes expiatórios são também frequentes, dirigidas, conforme o caso, para judeus, capitalistas, revisionistas ou anarquistas. Subversivos são visto despontando por trás de qualquer macega. Uma variedade de respostas retraídas podem ocorrer, políticas exteriores isolacionistas, ou movimentos boêmios baseados em interpretações meio-cozidas do pensamento asiático. Em outras palavras, a era é marcada por selvagem oscilação na disposição pública e sentidos e por comportamentos de perseguição compulsivos.

Manias seguem manias, cultos deslocam movimentos, movimentos se revertem em coqueluches. O período é caracterizado por dúvidas, dúvidas representando, como apontou Pierce tão bem, não hábitos, mas ‘privação de hábitos’. A decadência das velhas formas desnuda os indivíduos de guias sociais e os expõe aos azares dos valores solitários.

Grandes acontecimentos podem trazer problemas nessa época. Mudanças climáticas básicas podem afetar a agricultura e os meios de subsistência. Métodos agrícolas podem exaurir o solo, forçando o conjunto do sistema ao desequilíbrio e declínio. Isso parece ter acontecido no declínio das grandes culturas Mayas da Península do Yucatán. Ou populações podem crescer e aumentar a pressão no fornecimento de alimentos. A fome pode colocar a mão de cada homem contra seu semelhante numa primitiva batalha para a sobrevivência diária. Ou epidemias podem varrer a terra, ou o desemprego em massa. Derrotas militares podem causar o colapso do regime político e liquidar com o timão das instituições públicas. Ou mudanças tecnológicas – por exemplo a industrialização – podem desmoronar as relações de classes; descobertas científicas podem botar no esgoto as amarras dos valores religiosos. O resultado pode ser uma série de ondas de choque, colisões, guerra civil.

Durante este período, frequentemente há um excedente de ‘soluções’ disponíveis, e é durante este tempo que toda espécie de líder auto-eleito, messias, charlatão e Grande Homem pode aparecer com sua solução para o problema.

Um notável aspecto dos períodos de intensa difusão cultural, durante o período de distorção cultural, como Wallace o chama, é que os longos caminhos institucionais do hábito tendem a enfraquecer ou rebentar, de tal forma que o sistema se acomoda nos modos de ação, passando de coletivos para mais individualistas. Pequenos e mais flexíveis grupos sociais tornam-se assim a sementeira para os messias e por isso é que os messias primeiro aparecem como líderes de gangues e grupos formados ao redor de experiências pessoais de simples indivíduos, muitos dos quais podem ter uma natureza alucinatória.

Pg. 132: Como Sartre apontou; gênio não é um ‘dom, mas uma maneira que se inventa em casos desesperados’.

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