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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O Homem Medíocre

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo

José Ingenieros (1877-1925) nasceu em Buenos Aires. Foi o que hoje chamaríamos de uma personalidade multidisciplinar. Médico, catedrático, estudiosos de psicologia, filosofia e sociologia. Conferencista, polêmico, independente das correntes políticas de sua época, ataca a falta de idealismo de seu tempo.

O Homem Medíocre trata de uma análise do caráter humano em função de suas desigualdades. Além disso, do entorno social que produz o que ele chama de mediocracia, o regime em que somente os medíocres triunfam. Para que a sociedade dê o salto qualitativo, capaz de fazê-la pular a cerca das limitações impostas pela conjuntura, é necessário que apareçam os forjadores de ideais, as lideranças carismáticas que a história produziu em nomes como Lincoln, Gandi, Washington, Sarmiento, etc.

Sua crítica impiedosa aos desvios da sociedade do seu tempo, apontam para a necessidade de superação dos defeitos morais que impedem a formação de ideais, tais como o servilismo, a rotina, a hipocrisia.

"Até hoje, nunca houve uma democracia efetiva” escrevia José Ingenieros em 1913. ”Os regimes que adotaram esse nome foram uma ficção. As supostas democracias de todos os tempos foram confabulações de profissionais para se aproveitarem das massas e excluírem os homens eminentes. Sempre foram mediocracias. A premissa de sua mentira foi a existência de um ‘povo’ capaz de assumir a soberania do Estado. Não existe tal coisa: as massas pobres e ignorantes não tiveram até hoje capacidade para governar: apenas trocaram de pastores”.

“Os maiores teóricos do ideal democrático foram, na realidade, individualistas e partidários da seleção natural: perseguiam a aristocracia do mérito contra os privilégios das castas. A igualdade é um equivoco ou um paradoxo, conforme o caso. A democracia foi uma ilusão, como todas as abstrações que povoam a fantasia dos iludidos ou formam o capital dos falsos. O povo estava distante dela.“

“As matilhas de medíocres novatos, atadas pelo pescoço com a correia de apetites comuns, ousa denominar-se partidos. Ruminam um credo, fingem um ideal, arreiam fantasmas consulares e recrutam um exército de lacaios. Isso basta para disputar abertamente cargos e privilégios governamentais.

Cada facção elabora sua mentira, transformando-a em dogma infalível. Os patifes reúnem esforços para enaltecer o valor de seu fantasma: chamam sua incompetência de lirismo, sua vaidade de decoro, sua preguiça de ponderação, sua impotência de prudência, seus vícios de distração, sua velhacaria de liberalidade, seu envelhecimento de maturidade... A irresponsabilidade coletiva apaga a cota individual do erro: ninguém se ruboriza, embora todos tenham sua parte na vergonha comum. “

“A política degrada-se, torna-se profissão. Nos povos sem ideais, os espíritos subalternos crescem à base de intrigas vis de antecâmara. Na maré baixa sobe o que é desprezível e entorpecem-se os traficantes. Toda excelência desaparece eclipsada pela domesticidade. Instaura-se uma moral hostil à firmeza e propícia ao relaxamento. O governo fica nas mãos de gentalha que devora o orçamento. Abaixam-se os muros e alçam-se as esterqueiras. Diminuem-se os louros e multiplicam-se as ervas daninhas. Os cortesãos convivem com os malandros. Progridem os equilibristas e os volteadores. Ninguém pensa onde todos lucram. Ninguém sonha onde todos tragam. O que antes era sinal de infâmia ou covardia torna-se título de astúcia; o que antes matava, agora vivifica, como se houvesse uma aclimatação ao ridículo; sombras envilecidas levantam-se e parecem homens; exibe-se e ostenta-se a improbidade; em vez de ser vergonhosa e pudica. Aquilo que nas pátrias se cobria de vergonha, nos países cobrem-se de honras.”

“As campanhas eleitorais tornam-se negócio sujo de mercenários ou briga de aventureiros. Sua justificativa está a cargo de eleitores inocentes, que vão à paródia de urnas, como se fossem a uma festa".

“Além das exceções, que existem em todas as partes, a massa de ‘eleitos pelo povo’ é uma chusma de vaidosos, desonestos e servis. Os primeiros esbanjam sua fortuna para ascender no Parlamento. Ricos latifundiários ou poderosos industriais pagam a preço de ouro os votos recolhidos por agentes impudicos; novos ricos abrem os cofres para comprar o único diploma acessível à sua mentalidade amorfa; asnos enriquecidos, aspiram a ser tutores dos povos, sem outro capital que a sua constância e seus milhões. Necessitam ser alguém; acham que vão consegui-lo agregando-se aos conchavos corruptos.

“Os desonestos são uma legião; assaltam o Parlamento para se entregar a especulações lucrativas. Vendem seu voto a empresas que mordem os cofres do Estado; prestigiam projetos de grandes negócios com o erário, cobrando seus discursos a tanto por minuto; pagam seus eleitores com destinos e dádivas oficiais, comercializam sua influência para obter concessões em favor de sua clientela. Sua gestão política costuma ser tranqüila: um homem de negócios está sempre com a maioria. Apoia todos os Governos.

“Os servis vadiam pelos Congressos em virtude da flexibilidade de sua espinha dorsal. Lacaios de um grande homem, ou instrumentos cegos de seu partido, não se atrevem a discutir a chefia do primeiro nem as instruções do segundo. Não se exige talento, eloqüência ou probidade: basta a certeza de sua afiliação a um grupo. Vivem de luz alheia, satélites sem cor e sem pensamentos, presos à carroça de seu cacique, sempre dispostos a aplaudir, quando ele fala, e a se levantar, quando chega a hora da votação".

“Os cúmplices, grandes ou pequenos, aspiram a tornar-se funcionários. A burocracia é uma convergência de homens vorazes em espreita... Esse anseio de viver as custas do Estado rebaixa a dignidade... O funcionário cresce nas burocracias modernas. Antigamente, quando era necessário delegar parte de suas funções, os monarcas escolhiam homens de méritos, experiência e fidelidade. Quase todos pertenciam à casta feudal; os grandes cargos eram vinculados à causa do senhor. Junto a ela, formavam-se pequenas burocracias locais. Ao crescerem as instituições de governo, o funcionalismo cresceu, chegando a ser uma classe, um novo ramo das oligarquias dominantes. Para impedir que fosse ativa, regulamentaram-na, retirando toda iniciativa e afogando-a na rotina. Contra seu anseio de mando, opôs-se uma submissão exagerada. A pequena burocracia não varia; a grande, que é a sua chave, muda com o partido que governa. Com o sistema parlamentarista, ela foi escravizada duplamente: pelo executivo e pelo legislativo. Esse jogo de influencias bilaterais converge para diminuir a dignidade dos funcionários. O mérito fica totalmente excluído; basta a influência. Com ela ascende-se por caminhos equívocos. A característica do inculto é achar-se apto para tudo, como se a boa intenção salvasse a incompetência... As consequencias imediatas do funcionalismo são o servilismo e a adulação. Existem desde que há poderosos e favoritos."

Brochura — 4ª Edição — 2006 — 164 pág.
Jurua Editora