com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo
♦ Um país de coitados
♦ A primeira reforma de base: a reforma do mar
♦ O deliberado descarrilamento geral dos nossos sistemas básicos de transporte
♦ Ferrovias
♦ A semeadura de embustes em torno da Reforma Agrária
♦ A mão seca do Estado-industrial... e a mão frouxa dos líderes-Madame-Pompadour
♦ Os marxistas sebentos e os ricos fedorentos
♦ As ‘crises nacionais’ e a indecisão pendular das lideranças
♦ As ‘chaves’ comunistas: terror intelectual e terror econômico
♦ Povo burro é povo pobre
Um país de coitados
Lançado em 1967, este impressionante libelo contra o retrocesso demonstra que o nosso subdesenvolvimento se configura dentro de um modelo que concilia estatismo e sistema eleitoral, com as diversas ideias arquetípicas de bondades expressas na ideologia do coitadismo, pano de fundo das bondades eleitoreiras e dos déficits financeiros astronômicos.
Emil FARHAT viveu inicialmente como jornalista político no RJ, onde trabalhou durante 8 anos para ‘O Jornal e Diário da Noite’, mais tarde tornou-se publicitário, até aposentar-se e voltar ao jornalismo em São Paulo. Teve passagens pela literatura escrevendo 2 novelas e se transformou em um analista social por força das convicções e da responsabilidade perante os destinos do país na conturbada segunda metade do século XX. No final dos anos 40, foi um dos introdutores do célebre ‘Repórter Esso’ no Brasil. Descendente de libaneses que se estabeleceram na zona da mata mineira, escreveu a saga desses imigrantes espalhados pelo Brasil como caixeiros-viajantes no livro ‘Dinheiro na Estrada’. Formado em Direito, nunca advogou, subindo às instâncias hierárquicas da McCann-Ericsson até se tornar presidente da filial brasileira. Foi articulista e chefe do escritório paulista do jornal ‘O Globo’ durante os últimos 11 anos de carreira. Convidado por Roberto Marinho a assumir a TV Globo no Rio, recusou o cargo por discordar do governador Brizola. Em suas memórias fala dos anos de estudante de Direito no Rio, durante a ditadura do Estado Novo, e como jornalista de ‘O Jornal e Diário de Notícias’, ambos de Assis Chateaubriand. Para quem estuda essa época, os nomes da intelectualidade carioca e da política nacional estão todos em seu livro ‘Memória Ouvidas e Vividas’ (FARHAT, 1999, 300 p., Scrinium Ed.).
Sua breve militância política ocorreu na redação de um jornal de oposição, quando participou do movimento chamado Esquerda Democrática, que pretendia eleger José Américo de Almeida para a presidência da República em 1938, sendo ele um dos oradores do famoso comício de Niterói, poucos dias antes do golpe de 10 de novembro de 1937. No prefácio do seu livro ‘País dos Coitadinhos’ (FARHAT, 1968, Cia. Editora Nacional, p.2) conta que:
“Longos e intensos anos de estudos, nas colunas impressas e no ‘underground’, e uma constante convivência com a liderança intelectual, política e empresarial do país, foram colocando nas mãos de um interessado analista social uma variegada e fervilhante colheita de observações e conhecimentos – a qual seria mais do que imperdoável deixar de transmitir a todos que se preocupam com os destinos do Brasil”.
O ‘País dos Coitadinhos’ representa assim uma visão de Brasil que não serve para os políticos, estatistas, nacionalistas, sindicalistas, comunistas e aqueles empresários que se revezam na sucção do inebriante dinheiro do empreendedorismo de cartas marcadas que cerca as instâncias governamentais. Enfim, um livro maldito, daí seu completo obscurecimento nos círculos acadêmicos. Lendo suas páginas, somos tocados imediatamente pela linguagem rebuscada, pelas metáforas brilhantes, pela utilização recorrente de todo o campo semântico de uma ideia, recurso ademais comum no campo publicitário, mas extremamente raro em nossos intelectuais independentes, salvo nosso barroco-mor: Euclides da Cunha.
“Por cinco anos a fio, o autor dessas páginas foi fazendo uma paciente decantação do que supunha seria material para um livro. E há quatro anos, quando as nuvens enegreceram dantescamente, armando todo o prelúdio do que se imaginava seria outra ‘tragédia espanhola’ uma guerra civil prolongada e sem quartel pusemo-nos a elaborar este trabalho. E o fazíamos, às vezes, com sofreguidão e a emoção de quem temia que talvez isto viesse a ser, mais tarde, apenas um dos muitos documentos retrospectivos e retardatários, encontrados sob os escombros do que fora durante tantas décadas o prometido ‘país do futuro’ “ (FARHAT, 1968, p. 2).
As novas gerações que não conheceram os dilemas dos anos 60, pouco ou nada sabem dos fatos pitorescos dessa época relacionados não apenas ao sistema político que descambou no golpe de 64, mas sobretudo ao que se passava no tecido social brasileiro. Se um jovem se perguntar em 2010, por que razão não temos trens como na Europa, por que cargas d’água não se pode colocar um carro em um navio no Porto de Santos e desembarcar motorizado em Salvador ou Florianópolis, certamente vai encontrar as respostas em ‘O País dos Coitadinhos’. E mais: não são respostas triviais, não se trata de análise panfletária ou denuncista. Ledo engano. FARHAT trata de articular todas as informações recolhidas em um apanhado da grande tragédia nacional: o sindicalismo direcionado para a política, o estatismo garantidor de privilégios, a progressão de déficits e, por fim, o sucateamento de ferrovias e portos estatizados para delírio dos empregados e maldição do povo e da nação.
Assim FARHAT tece uma crônica dos fatos, analisa um banco de dados para ir dali extraindo os ensinamentos que o sistema vai apresentando dessa realidade imarcescível que é o subdesenvolvimento programado.
“Quem folhear o ‘Diário do Congresso’ verá, estarrecido, a corrida em que deputados dos mais variados matizes se acotovelam na oferta das mais mirabolantes vantagens, concessões, direitos, privilégios, ‘defesas’ e ‘arranjos’ para grupos, classes ou grupelhos ‘especializados’ de ‘trabalhadores’ ou ‘funcionários’. A disputa para ver quem é mais ‘generoso’, à custa do resto da Nação, chegou a tal ponto que ficou humorística a reivindicação de paternidade do ‘13º salário’: segundo um cronista parlamentar, nada menos do que 15 deputados e senadores se disseram ‘pai da ideia’, não respeitando nem mesmo a hegemonia exercida pelo latifúndio político, ‘por direito de herança’, pelo próprio Sr. João Goulart...
Deputados querem ser senadores... senadores que querem ser ministros... ministros que querem ser presidentes, ou governadores ... dirigentes de institutos ou de bancos oficiais que querem ser deputados... vão distribuindo à mão-cheia privilégios, concessões, ‘vantagens’, reivindicações, cargos e sinecuras, porque tudo isto cairá nas costas de um imenso, vago e indefinido burro-de-carga que é o povo.
Certo tipo de juízes, agindo em função do bom-mocismo ou do terror intelectual habilmente lançado pelos comunistas, assume, através de sentenças sistemáticas, a posição ‘filosófica’ de que a legislação trabalhista tem como finalidade única proteger o ‘coitadinho’: o ‘coitadinho’ do incapaz, o ‘coitadinho’ do desleixado, o ‘coitadinho’ do empregado desleal com a empresa que lhe dá trabalho, e o ‘coitadinho’ que fez apenas pequenas e tímidas desonestidades....” (FARHAT, 1968, p. 11-12).
E cita alguns exemplos desse festival de besteiras da justiça trabalhista como, por exemplo, o magistrado que sentenciou favoravelmente o empregado relapso que “tendo seus atrasos tolerados ingenuamente pela empresa, exigiu que aquele fosse considerado o ‘seu’ especial horário de chegada...” (p.13), em contraposição aos demais empregados pontuais.
Essa série sucessiva de acintes contra o bom-senso e contra a coletividade daria para escrever um livro por ano somente garimpando os processos que tramitam nas varas sebentas da Justiça do Trabalho. E continua FARHAT:
“O que é preciso é que as novas gerações entendam e compreendam que jamais nação alguma cresceu pelas mãos dos ‘estadistas’ do jeito, e dos governantes que não tomam decisões mas contornam com manobras, preocupados que sempre vivem com os índices de sua popularidade e com sua cotação eleitoral. Uma grande nação se governa muito mais com ‘NÃOS’ solenes, duros e corajosos, do que com ‘SIMS’ hábeis, frouxos, melífluos, espertos e sobretudo irresponsáveis. Guardem os moços o seu coração para amar o Brasil COM TODOS OS DEVERES QUE ISTO NOS IMPLICA, e não pelos direitos que isso nos possa assegurar. E, sobretudo, é preciso que nos previnamos contra o bom-mocismo nas funções públicas.
Não devem merecer senão repulsa e repugnância aqueles ‘líderes’ que fazem do patrimônio nacional e do bem-estar do povo o almoxarifado das ‘suas’ concessões e dos ‘seus’ presentes às castas amigas e aos correligionários. Na verdade, esses não são líderes, nem comandantes; são os ‘garçons’ da República, dispostos a ‘servir’ a Pátria em bandejas às suas vorazes clientelas eleitorais, as mesmas que fabricam ‘déficits’ astronômicos, mas, às vezes, levam ao poder... “ (p. 13).
“O Brasil não é para ser dado a ninguém, nem de FORA, nem de DENTRO. O fato de ter sido nascido nesta terra não confere a ninguém o direito de parasitar seu povo, seja desfrutando a moleza IMPATRIÓTICA das sinecuras improdutivas ou dos cargos indevidamente super-remunerados, seja usurpando favores e ‘direitos’ abusivos que atentam contra o bem comum ou contra as possibilidades de progresso do país” (p. 14).
Uma nação deve dar assistência, mas não direitos à incapacidade. Deve amparar doentes, mas não premiar ociosos resmunguentos, nem torná-los razão de suas leis, padrão de méritos públicos e limite das ambições cívicas ou econômicas.... É preciso dar um ‘Basta!’ ao ‘coitadismo’ na vida pública, ou então este país gigantesco, que o mundo já começa a apontar ironicamente como sendo ‘apenas o país do futuro...’ jamais se erguerá além do afundado subnível econômico-social das cubatas africanas, ou da desoladora paisagem de mentes ocas e bocas vazias das polêmicas meramente geodemográficas...
Não é admissível que o nhem-nhem-nhem do ‘coitadismo’ continue a ditar a essência da jurisprudência e do espírito das leis sociais brasileiras num convite oficial ao amolecimento nacional, ao imobilismo geral, ao caradurismo total, ao mais inerme e boçal parasitismo...” (FARHAT, 1968, p. 15-16).
Com esse chamamento moral Emil FARHAT continua a dissertar sobre as incongruências da nossa realidade dos anos 60. Realidade pervasiva, que se encontra enraizada na estrutura política, no modelo de estado, na burocracia e no sistema sindical, jurídico, educacional e por aí afora. Dessa raiz nasce a planta venenosa que se agarra no tronco da nação e suga-lhe a seiva, desmoraliza o trabalho diligente, favorece o cinismo dos aproveitadores, irriga o oportunismo e constrange toda a honradez e dignidade dos milhões de trabalhadores do país.
É o mais impressionante libelo contra a pieguice, a condescendência, o festival de reivindicações sem limites, de capitulacionismo e de tudo o que pode representar dos estados mentais de uma coletividade enfermiça pela anarquia e descompostura intelectual, que ressuscita nos dias atuais e já repete o mesmo ritual dos anos 60.
O objetivo de FARHAT é combater o grande mito dos anos 60 chamado de ‘Reformas de Base’. Através de um elenco de generalidades, a grande frente constituída pelo trabalhismo, sindicalismo pelego, comunistas e nacionalistas de todos os matizes, propugnava um programa que incluía reforma agrária, reforma urbana, reforma educacional e assim por diante. A princípio não havia nada a obstar, mas olhando-se mais detidamente, começaram a aparecer os problemas: o primeiro era a pergunta fatal: mas olha aqui, se esta gente que está proclamando isso é a mesma que está há 30 anos no poder, por que não fizeram nada?
A primeira reforma de base: a reforma do mar
FARHAT começa mostrando que a primeira reforma feita no país foi a reforma do mar, realizada na década de 20 pela divisão do mar brasileiro entre os 100 mil pescadores. A situação era a seguinte: os barcos portugueses, melhor equipados e com muito mais tradição em pesca, entravam nas piscosas águas brasileiras, enchiam seus barcos e se mandavam para Portugal, fazendo o que bem entendiam em uma terra-de-ninguém. Para remediar esta situação, o governo Epitácio Pessoa reagiu drasticamente, exigindo que os nossos mares fossem reservados somente aos naturalizados. Mas naturalização de empresas e não de pessoas, isto é, os portugueses poderiam pescar, mas tinham que ter suas empresas registradas e com sede própria no país. Mas a demagogia xenofóbica que se desenvolveu de norte a sul logo tratou de hostilizar os portugueses tratando-os de sugadores, espoliadores, polvos anfíbios, etc. Como os nossos pescadores ainda estavam na fase da jangada, a expulsão dos portugueses ocasionou o colapso do fornecimento de pescado para os nossos mercados. O tiro saiu pela culatra.
Ora, um país precisa entender que o capital estrangeiro, mesmo o representado pelos barcos portugueses, quando associado com a ‘expertise’ que lhe é implícita não pode ser simplesmente banido sob pena de criar sérios problemas no mercado: ao contrário, deve ser convidado a investir no país e com isso contribuir para o progresso e desenvolvimento, sempre com o Estado tendo o cuidado para evitar o monopólio e incentivar a produção nacional para o máximo de competitividade, que é a racionalidade exigível para o equilíbrio econômico dentro do capitalismo. Mas uma sociedade atrasada, como a brasileira, os propósitos de Epitácio Pessoa logo foram desencaminhados por Arthur Bernardes, seu sucessor, que em vez de nacionalizar os barcos, exigiu a nacionalização das pessoas.
Transformados em espoliadores pelo discurso demagógico, o peixe dos portugueses sumiu da mesa do pobre e começou a ser ofertado a preço de ouro e o Brasil tornou-se irrelevante como país de pesca, tendo nada menos que 9 mil km de litoral. A comparação com outros países era humilhante, especialmente com Argentina e Peru. Para se ter uma ideia, nossas jangadas e barcos eram tão irrelevantes, ficaram tão para trás no processo de pesca, que o Brasil nem sequer se apresentou em 1967 na Comissão Interamericana de Atum Tropical ocorrida no México. Isso depois que diversas missões oceanográficas estrangeiras estiveram nas nossas costas confirmando a existência de extraordinários cardumes de diversos tipos de peixes, principalmente no litoral sul do Brasil.
Essa crise do início do século foi depois contornada pela natural lei da oferta e procura, mas nos anos 60 volta a entrar em colapso com a legislação trabalhista marítima, um dos pontos do livro de Emil FARHAT. Um dos colapsos do Brasil, que os historiadores não costumam dar importância, mas que é o núcleo do livro ‘O País dos Coitadinhos’, explica por que os transportes brasileiros naufragaram sob o peso de um sindicalismo selvagem. A legislação trabalhista marítima havia criado obrigatoriedade na composição das forças de trabalho das embarcações. Para se ter uma ideia do aumento dos custos de mão de obra de todos os serviços marítimos, considere a compra de um rebocador de bandeira holandesa, efetuada pela capitania de uma empresa do RS. Da Holanda para o Brasil, o rebocador (que iria trabalhar nas águas do Rio Jacuí) utilizava uma tripulação de 5 homens. Ao chegar no Brasil passou, obrigatoriamente, a operar em um rio com 14 tripulantes por força da legislação.
Essa reviravolta, sob a suposta alegação de proteger a mão-de-obra, fragilizou até mesmo os pequenos e frágeis barcos de pescadores do nosso litoral. E Emil FARHAT traça o quadro dos “enxadeiros” do mar, nossos rudimentares e neolíticos pescadores, vivendo em um mundo de grandes empreendedores e companhias de pesca, com produção anual de milhares de toneladas de pescado, enquanto a nossa não passava de uma quantidade irrisória, para um país com um litoral dos mais piscosos do mundo. O resultado? O Brasil teve de importar 16 milhões de dólares de pescado em 1961 e 20 milhões de dólares em 1963. Naturalmente que não era um peixe barato...
A adoção de políticas demagógicas cujo resultado é o regressismo tem um ponto fundamental como corolário de não ter dado certo. Ela exaspera ainda mais seus defensores na busca de bodes expiatórios nem sempre materializados nas figuras sociais específicas, mas na generalidade de ‘elites’, ‘classes dominantes’, ‘tubarões’, ‘obsoletas estruturas arcaicas’, etc. Se uma política econômica conduz à inflação, os postulantes da tragédia ocupam as tribunas para vociferar contra os ‘remarcadores’ de preços; se a política econômica conduz ao desemprego, os mesmos implementadores da política passam a esbravejar contra a ‘insensibilidade moral’ dos empresários ou qualquer coisa do gênero.
O que está no cerne desse desastre concessionista e demagógico não é o desejo de aprimoramento, não é a falta de vontade de aperfeiçoamento e de melhoria na qualidade de vida da população como enfatiza o autor:
“Essa melhoria não vem jamais por ‘doação’, ‘decreto’ ou ‘outorga’ de nenhum taumaturgo liliputiano e pretensioso – para quem a ação política ou a arte de governar eram apenas uma série sensaborona de escamoteações e manhas de astúcias, e de golpes de ‘esperteza’. A geração que era adulta durante as décadas de 30 e 40 sabe disso; sabe que foi o marasmo, a lerdeza, a lentidão do desenvolvimento econômico-social sob os quinze anos da ditadura e do Estado Novo, apesar dos 8.148 decretos-leis com cuja assinatura o ditador ‘decretava’ um progresso que não vinha, e uma prosperidade que o seu papelório estéril não gerava” (FARHAT, 1968, p. 86-87).
A compreensão que só o trabalho perseverante produz, que só a produção rentável remunera, que só a eficiência prospera, faz parte do amadurecimento político de uma nação, cujos fundamentos precisam estar assentados em uma luta contínua contra as iniquidades do Estado, e que portanto faz parte do processo educativo dos povos livres, das pessoas que possuem um conhecimento básico de economia para que se possa ter sentido o velho slogan ‘estamos vivendo num mundo dinâmico e em transformação’. Enquanto a mão generosa do Estado tudo pode resolver, enquanto a ‘vontade’ política do governo for a senha para solucionar todos os dilemas sociais, estamos condenados ao retrocesso, seremos sempre aquela sociedade que dá dois passos à frente e um para trás. Ano seguinte 5 passos à frente comemorados com grande fogueteio, para ano depois dar 3 passos para trás.
O deliberado descarrilamento geral dos nossos sistemas básicos de transporte
“... Nunca se viu orgia maior com leis de favor para certos grupos de trabalhadores, que chegaram a ser os mais bem pagos do mundo em seus ramos. A loucura chegou a tal ponto que o déficit anual, só com os ferroviários, seria, em 1964, da ordem de 420 bilhões de cruzeiros (R$6,1 bilhões em 25/6/2010); em 1965 alcançaria 620 bilhões de cruzeiros (R$ 9 bilhões) e, em 1966, ultrapassaria 1 trilhão de cruzeiros (>14,5 bilhões de reais– www.calculoexato.com.br considerando o índice IGP-DI). E isto, só com os ferroviários, só com a Rede Ferroviária Federal, que compreende 21 ferrovias. São todas deficitárias, com despesa de 5, 10, 15 e até 30 vezes maior do que a receita” (Relatório do Ministro da Viação Juarez Távora, O Globo 29/1/1965, p.95).
Vamos abordar o trabalhismo em 2 casos que merecem consideração do leitor: as legislações trabalhistas dos portuários e a dos ferroviários. Essas legislações específicas criaram um sistema de ganhos extraordinários através de um complicado método de atribuição de tarefas. Havia vantagens de todo tipo, mais o empreguismo que fazia com que desde o departamento de pessoal de uma companhia de navegação ou ferroviária até a tripulação do navio ou trem estivesse abarrotada de gente por força da legislação trabalhista específica. A proporção era estratosférica: um departamento de pessoal, que necessitasse de 20 funcionários, abrigava 200. Uma única empresa tinha 7300 funcionários – só na burocracia.
No Lloyd e na Costeira estatizados, o problema do inchamento da máquina ocorre em paralelo com seu desmantelamento. Enquanto aumentam exponencialmente as despesas com pessoal, diminuem avassaladoramente as receitas com a operação do serviço pelo encarangamento da atividade, obsolescência de manutenção, conduzindo à quebra de equipamentos e interrupção de serviços, aumentando os déficits financeiros e impossibilitando a confiança mútua entre empregados e a adoção de práticas sadias de trabalho e dedicação. Nesse ambiente, formam-se camorras especializadas no peculato e na falsificação de horas extras, defeitos técnicos, greves relâmpagos, reivindicações estapafúrdias e assim por diante, com alta ressonância favorável no sistema político eleitoreiro, mas uma desordem generalizada no ambiente de trabalho.
No disputado processo político dos anos 60, como consequência da pervasiva inflação apontada atrás, que cobrava de todos os brasileiros a fatura da insanidade da construção de Brasília, um velho elemento veio a ser turbinado na trajetória político-institucional de forma nunca vista anteriormente: a demagogia eleitoral calcada em promessas de benefícios salariais no vendaval das reivindicações pela recuperação salarial.
Eram mobilizações legítimas sendo impulsionadas por pretensões absurdas que lançadas nos vapores esbravejantes da irresponsabilidade, se condensaram no líquido viscoso e pútrido da iniquidade. Aproveitando os anseios legítimos, a grande frente única do regressismo nacional mirou seu canhão de chumbo grosso no sistema de transportes estatizado e dali conseguiu a mais extraordinária e brutal privilegiatura de que se tem notícia na história do mundo: um sistema de benefícios e vantagens para ferroviários e estivadores que afundou o país em uma crise até hoje (2010) ainda não totalmente solucionada. Eis o que nos conta Emil FARHAT (1967, p. 97- 98):
Quando pelas alturas de 1960, a leviandade e a irresponsabilidade ofereciam céu cada vez mais livre para as aves de carniça e campo ainda mais propício ao farejar necrófilo das hienas despencavam-se sobre as ferrovias mais “recomendados” que passageiros, choviam sobre os navios muito mais “candidatos” do que cargas, e no cais se acostavam mais protegidos e “conferentes” do que mercadorias e minérios.
As ferrovias, as empresas de navegação e os portos pareciam monstruosidades intumescidos, imensos cabides já sem mais ganchos e lugares para pendurar tantos bonés de afilhados – que vinham mensalmente em legiões novas, na mobilização nervosa dos que então já pensavam na sua milícia de foguistas de bordo, no seu exército de moços-de-convés, nos seus esquadrões de “conferentes-pipi” para a tomada do poder. Pela malícia ou pela violência.”
Estatizou-se a Companhia de Navegação Costeira, que formava, com o Lloyd Brasileiro, o maior conjunto mundial de marítimos sem navios ... quando o país abriu os olhos, cada bigorna tinha quatro ferreiros e cada vagão quatro condutores; em cada navio mercante brasileiro, quatro marinheiros descascavam a mesma batata ..., e em cada metro de cais, quatro ‘especialidades’ de conferentes espiavam o mesmo saco carregado por quatro estivadores”.
O Brasil chegara à década de 60 com apenas 40 km de cais na soma de todos os seus portos, isto é, dos 262 atracadouros acostáveis do país. Na mesma época, só o porto de Hamburgo tinha 30 km, Londres 80 km. Nova York tinha 170 km de cais acostável e 3.500 funcionários no porto. O Rio de Janeiro (só com 7 km de cais acostável) tinha cerca de 8 mil funcionários.
Quem visita o museu da Companhia de Navegação Costeira no porto de São Francisco do Sul (SC), depara-se com uma empresa fundada em 1882 por integrantes da família Lage que foi responsável por boa parte do desenvolvimento do Brasil até 1966, quando foi estatizada e incorporada ao Lloyd. Mas nada mais se fala sobre o colapso da marinha mercante brasileira. No entanto, Emil FARHAT deixa clara a causa do colapso tão zelosamente escondido dos brasileiros naquilo que, não obstante ter sido um fato escandaloso, conseguiu se transmudar no conjunto do Brasil que ‘não se vê’ por arte de nossos estudiosos acadêmicos:
Enquanto um navio carvoeiro inglês ou norueguês ou belga ou liberiano, de aproximadamente 5 mil toneladas, tem 29 homens na tripulação, os nossos com a mesma tonelagem e para a mesma finalidade têm cerca de 80.
...Quando em setembro de 1963, o novíssimo mercante do Patrimônio Nacional ‘Ana Nery’ se chocou com um petroleiro da Petrobras à entrada da Guanabara, nenhum jornal se deu ao trabalho de comentar ou estranhar este escândalo técnico, também de proporções mundiais: fretado para levar 70 turistas a Israel, o reluzente ‘Ana Nery’ o fazia graças aos ‘exaustivos esforços’ de 230 tripulantes!...
Quando o leitor vir, no porto de Belém ou de Manaus, um bojudo “motor”, desses que sulcam os igarapés da Amazônia, puxando, como se fora um sobressalente, um pequeno barco em que vão alguns homens, fique desde logo sabendo que aqueles cavalheiros rebocados são os excedentes da tripulação legal, e ali vão espiando os outros trabalharem, porque a lei ‘manda’ que haja aquele excesso, que o próprio barco-motriz não comporta” (FARHAT, 1968, p. 98-99).
No tocante à navegação fluvial, em um relatório apresentado pelo presidente da Comissão da Marinha Mercante em 1965, o comandante Fernando Frota, indicava de modo dramático:
“Todas as empresas se acham em estado de decomposição” (p. 107), referindo-se ao “Serviço da Bacia do Prata”, ao “Serviço de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará (SNAPP), à ‘Companhia do São Francisco´ e à “Navegação Bahiana”.
Os 34 mil km de rios brasileiros navegáveis encontravam-se paralisados porque o serviço não podia atender às exigências legais da “tripulação de lei”. Até mesmo uma piroga tinha que se enquadrar na legislação marítima. As consequências disso logo vieram à tona: os navios que deixavam os portos totalmente carregados passaram a viajar com 50% da carga. Uma viagem de Porto Alegre a Belém retardou-se para 5 meses, enquanto que de Porto Alegre à Austrália ou ao Japão apenas 2 meses. Em pouco tempo, o sal do Rio Grande do Norte faltava no RS, e o rebanho bovino começou a minguar por falta de sal. O desaparecimento de cargas por roubo no cais começou a se transformar em uma endemia. Flagrados alguns conferentes roubando cargas nos armazéns do cais de Porto Alegre, não puderam ser despedidos porque a legislação não permitia. O transporte de arroz passou a ser feito por rodovia, porque para ser feito via cabotagem teria que esperar até 6 meses. Desde então, continua sendo feito por rodovia. Nossa navegação de cabotagem não se restabeleceu jamais apesar das inúmeras gerações de políticos que se sucederam no país. E a razão é muito simples: não houve alterações na legislação trabalhista, um código tão arcaico que faria os chineses ter um ataque de riso (ou de raiva) se soubessem o que ela representa na proteção ao mau caráter do picareta travestido de trabalhador brasileiro e na frustração ao empreendedor.
As empresas privadas de navegação tinham que repassar as taxas portuárias e os altos salários da estiva. Logo as cargas começaram a rarear. E não eram poucas as empresas de navegação. No RS havia a Rio-Grandense, que foi a última a entrar em liquidação por não ter mais condições de operar. Havia uma empresa para transporte de mercadorias entre as quais o vinho da Serra Gaúcha para São Paulo, Rio, Salvador, etc. Seu último navio, chamado Navesul, ficou parado, longo tempo à venda, sem compradores. A empresa fechou porque ninguém podia transportar mercadorias devido às altas taxas portuárias. Era mais barato enviar por via rodoviária e até por avião do que pelos portos.
Por toda a parte o que se via eram navios parados esperando carga. E como empresa parada não fatura, a Casemiro Filho, do Ceará, teve que fechar as portas. Ofereceu aos seus portuários os próprios navios como indenização: eles recusaram. “O que vamos fazer com navios, disseram eles: não há carga” (p. 111).
Para se ter uma ideia comparativa de salários no final de 1963, em Macau no RN, porto de salinas por onde o sal era embarcado pelos barqueiros que pelo rio Açu levavam o sal até os navios, os estivadores tinham um salário de 500 mil cruzeiros (R$14.300,00 pelo IGP-DI), enquanto o salário mínimo da região era Cr$14.700,00 (R$421,18 pelo IGP-DI). Os salários de autoridades locais eram: prefeito (Cr$42 mil = R$1.205,00); juiz de direito (Cr$40.000,00 = R$1.147,00); professora primária (Cr$6.500,00 = R$186,54), com índices atualizados pelo IGP-DI do site www.calculoexato.com.br para maio/2010.
A consequência foi a desmontagem dos navios um depois de outro. Até navios frigoríficos foram sucateados por falta de carga. Os únicos navios que saíam dos portos eram os de bandeira estrangeira, que não precisavam se submeter à legislação trabalhista marítima. Foi um grande apoio que nosso sistema político populista concedeu às empresas de navegação no exterior. Ou seja, o desmonte do país sob a veia crispada da demagogia populista e que todos os livros de história se esmeram em ocultar, zelosos que são do oficialismo, do partidarismo único e pervasivo: a atribuição dos problemas brasileiros às ‘elites’ ou qualquer outra denominação pomposa de nosso disfarcismo alucinante.
Ferrovias
No caso das ferrovias, o número de pessoas empregadas em 1964 daria para atender o triplo de quilometragem de vias férreas existentes, e capazes de transportar uma tonelagem de mercadorias “algumas dezenas de vezes maior que a que carregam” (p. 99).
Quando o governo militar resolve estatizar toda a rede ferroviária, criando um único ente chamado Rede Ferroviária Federal, o resultado foi imediato:
24 horas depois de sair das mãos de particulares, que eram capitalistas nativos, de quatrocentos anos... – empresários particulares que a tornaram uma das mais perfeitas ferrovias do mundo – a Companhia Paulista de Estradas de Ferro começou a dar um ‘déficit’ que, ao fim dos doze primeiros meses, já atingira 600 milhões de cruzeiros velhos!...” (FARHAT, 1968, p. 100).
O caso dos déficits das ferrovias era de tal monta que o então ministro do Planejamento Roberto Campos chegou a afirmar que havia casos que se o transporte fosse gratuito, a ferrovia daria menos prejuízo, já que não haveria despesas com a impressão de bilhetes, nem com o pagamento de funcionários que os vendiam ou recolhiam. Mas ocorre que a estatização da Companhia Paulista foi feita pelo regime militar e colocada no mesmo bolo das inúmeras ferrovias estaduais deficitárias. Como explicar essa terrível mancada dos militares sem inclui-los como problema na mesma nação do estatismo furioso e desembestado que tomou conta do país, com a criação, uma década mais tarde, de 290 empresas estatais na maior orgia de estatização pela qual passou o país.
A Rede Ferroviária mais famosa por sua inoperância, por seu inchaço de funcionários e por ser alvo de críticas desde os primórdios do século XX, foi a Estrada de Ferro Central do Brasil (ver artigo de Lobato). O acervo de desatinos dessa empresa faz parte da literatura brasileira. Com média de 2 acidentes diários, atraso permanente, sucateamento de máquinas e vagões, falta de manutenção de trilhos e pontes, a Central do Brasil era um retrato pitoresco do nosso estatismo no início do século XX. Ali saía tudo ao contrário: em vez de se investir nas necessidades, investia-se no supérfluo. A direção da empresa era ocupada por postulantes da carreira política, que tudo faziam para agradar a massa ferroviária, transformada em currais eleitorais propelidos por benesses. Os ferroviários, por seu turno, tudo faziam para prolongar os atrasos e com isso faturar horas extras. Quem viajava de trem nos anos 60, e até mesmo nos anos 70, no RS (em vagões importados da Hungria, que receberam o nome de ‘trem húngaro’, com a promessa de maior velocidade e eficiência) não conseguia entender por que os trens se deslocavam a 30 km/h em trechos onde a velocidade poderia ser de 50-60 km/h com segurança. O viajante não entendia por que as paradas nas estações intermediárias prolongavam-se por 20-30 minutos quando poderiam ser feitas em 5 minutos. Somente uns poucos “iluminados” sabiam que os ferroviários eram os donos do horário e faziam o que queriam – como é de praxe no sistema estatal brasileiro – e com isso submetiam os passageiros à humilhante demora do dobro do tempo nas viagens apenas para faturar horas extras.
No final do período de mais intenso e desbragado populismo da história brasileira do século XX, os transportes brasileiros estavam completamente paralisados. O déficit mensal era estratosférico. As greves semanais, o concessionismo absoluto. Ninguém em sã consciência, não pertencente à família ferroviária, aguentava os desatinos daquela classe.
O resultado vai para a conta do nosso déficit de 5 trilhões de dólares: até hoje nossas ferrovias não se recuperaram totalmente do grande baque do furor trabalhista dos anos 60, deixando o esqueleto de estações abandonadas, terrenos invadidos, prédios depredados, máquinas enferrujadas. A privatização das ferrovias deveria ser seguida de uma mudança total na legislação trabalhista protecionista. Mas então os nossos políticos se acovardaram, as vozes do populismo falaram mais alto e as novas empresas concessionárias se dedicaram exclusivamente ao transporte de carga, exceto nas novas linhas administradas pelo Vale do Rio Doce.
Em nossos portos a modernização ficou pela metade: no governo FHC foi feita a privatização de terminais marítimos, permitindo que empresas privadas administrassem os ativos de exportação de grandes empresas, o que permitiu uma redução substancial no custo do embarque de containeres, mas o terminal de cargas público continua com o mesmo sistema repulsivo de exploração de mão-de-obra pela subcontratação dos ‘bagrinhos’, espécie de estivador contratado como tarefeiro e controlado por uma oligarquia neoescravista escorada na discricionária legislação fascista.
A semeadura de embustes em torno da Reforma Agrária
É o título de um capítulo em que FARHAT resolve enfrentar o consenso nacional em torno do argumento da reforma agrária, para mostrar até que ponto se equivocam os bem-intencionados e lucram os oportunistas e demagogos de sempre. A Reforma Agrária é um espantalho que volta e meia reacende as labaredas da justiça social e termina nas cinzas do fracasso.
Já tivemos reformas agrárias oficiais, na distribuição de terras que começa no ciclo da imigração alemã e italiana no RS e, eventualmente, na região do noroeste paulista. Depois vieram as reformas agrárias republicanas e, por fim, o problema se agravou com a involução causada pela asfixia nos transportes, razão da existência de uma economia de trocas. Imobilizada a produção nos campos, com as colheitas sendo acumuladas até em sacristias de igrejas no interior do estado, armazéns de portos desativados, a economia rural começou a fenecer no meio de estradas intransitáveis, de governos relapsos, da impotência geral. Empobrecido, o agricultor migra para a cidade, de onde, num subemprego, sonha em retornar à terra de seus antepassados. Era o combustível dos demagogos.
O arroz gaucho chegava em São Paulo e Rio depois de 2 a 3 meses de viagem de trem.
“Quem sabe que a tonelagem de colheitas de cereais do Norte do Paraná demandava mais de 15 vezes a débil e aleatória capacidade de transporte que lhe era oferecida pela ferrovia que serve a região?“ (FARHAT, 1968, p. 188).
A contradição latifúndio improdutivo x população sem terra, ou latifúndio x minifúndio, elidia uma realidade nacional básica: o problema dos produtores rurais acossados por falta de condições de transporte, crédito, armazenagem, subsídios, etc...
Além disso, a verdadeira natureza da agitação pela posse da terra: passados mais de quarenta anos, a advertência de FARHAT de que a reforma agrária não conduz aos objetivos planejados confirma plenamente os dados de nossa época.
Senão vejamos:
Alguns participantes da claque vermelha das cidades fingem crer totalmente que ‘o Partido está lutando para dar terra aos camponeses...’ Esses ingênuos-espertos fingem não saber que, em todos os lugares em que subiu ao poder, o ‘Partido’ não deu nem dará títulos de propriedade de terra (e de nada) a NINGUÉM, pelo simples fato de que o princípio básico (e mortal) da política marxista é exatamente a eliminação da propriedade individual e de toda a ideia de posse...
Se, nos países livres, os ditatorialistas vermelhos falam taticamente em ‘distribuição de terra aos camponeses’ é porque já sabem quanto isso lhes serve para a AGITAÇÃO E DESORGANIZAÇÃO da vida do campo – dois fins fundamentais da sua ‘política agrária’. Eles já conhecem de sobra os resultados de todas as ‘reformas agrárias’ feitas desse jeito: 1) imobilizar pelo terror as atividades produtoras dos que têm terras; 2) dar uns inconsequentes tratos desnudos de campo a quem já vive desnudo de vida.
Eles já sabem que o simples fato de se entregar um título de propriedade a um enxadeiro não realiza o milagre de torná-lo capaz de dirigir o pequeno e complicado negócio que é o seu sítio, a sua fazenda. Eles já conhecem calculadamente os ‘resultados’ que se obtêm quando se joga uma pobre família de campônios sobre terras que eles têm de cultivar com uma orientação profissional de que não dispõem; com instrumentos de trabalho e máquinas que não podem comprar; com adubos cuja existência às vezes nem conhecem. Maquiavelicamente, eles não ignoram que aquele coitado, só com enxada e facão, não pode dar cabo das pragas que ameaçam periodicamente suas plantações, e que não poderá, com míseras caçambas ou ridículos regadores, repor sobre o campo, diariamente, a água, a irrigação que Deus não der...
Que milagres fabulosos teriam acontecido na produção agrícola dos países que realizaram a ‘Reforma Agrária’? Que índices admiráveis de produção atingiram essas nações ‘progressistas’?
No seu fundamentado e impressionante livro, ‘A corrida para o Ano 2000’, o professor Fritz Baade, com sua autoridade de deputado do Partido SOCIALISTA alemão, informa que são os seguintes os resultados de produtividade dos campos ‘reformados’, nos países onde se fez a Reforma:
“Na Rússia, cada trabalhador ativo produz para 6 pessoas na cidade. Na China e na Índia, cada trabalhador ativo produz para 3 pessoas na cidade.”
Enquanto isso, o que acontece nos países onde não houve a ‘benção salvadora’ dos sovkhozes e kolkhozes? Nos Estados Unidos, cada trabalhador ativo produz para 27 pessoas na cidade! No Canadá, cada trabalhador ativo produz para 26 citadinos!
Com sua responsabilidade de professor de economia agrária da Universidade de Kiel, Fritz Baade calcula ainda que, lá para o ano 2000, com a evolução da técnica agrícola (novos equipamentos, novas descobertas sobre solos, nova química protetora, novos adubos, nova mentalidade administrativa), cada agricultor americano estará produzindo para alimentar de 70 a 90 pessoas na cidade!
Apesar de todo o hermetismo com que os marxistas cercam suas ‘tragédias íntimas’, a União Soviética não conseguiu esconder em 1963 a sua necessidade de bater à porta dos paióis burgueses para comprar 30 milhões de toneladas de trigo aos seus agricultores não ‘reformados’. Nem pode omitir também o desespero da busca de um ‘bode expiatório’ nacional (já que não tem imperialismo agindo lá dentro), mudando 4 vezes de ministro da Agricultura em 3 anos... (FARHAT, 1968, p. 190-192)
Quando se sabe, desde 2007, que de todos os milhões de hectares de terra distribuídos a partir dos anos 90, que o índice de fracasso chegou a 75%, percebe-se o quão proféticas são as palavras de Emil FARHAT. E, quando se compara as invasões atuais do MST e da Via Campesina com o propósito de destruir plantações, máquinas e edificações, além da aterrorização generalizada no campo, só se pode concluir que o Brasil não prestou atenção a um de seus mais importantes livros que só podia ser escrito por um analista social e que jamais teria algo equivalente entre nossos dómines acadêmicos. E mais adiante FARHAT (1968, p. 195) acrescenta:
No Brasil, os reformistas agrários que aqui pontificavam nos idos de 1962 e 1963, criaram um órgão executor de seus projetos, a SUPRA (Superintendência da Reforma Agrária), que agitou intensamente, fundou imediatamente... 500 sindicatos rurais, e NENHUMA ESCOLA de ensino agrícola. E nem sequer fez o Censo Rural, pois não interessa aos desígnios da SUPRA constatar, e deixar divulgar, que já existiam no Brasil cerca de 2.700.000 propriedades agrícolas ... num país ... que precisa de 5 mil novos agrônomos por ano, para atender às necessidades da sua lavoura, onde só existem 12 escolas de Agricultura....”.
Citando os custos da propriedade agrícola, segundo levantamentos da época, bem como das ferramentas e aparelhos de irrigação, uma pequena propriedade necessitaria de NCr$ 4 mil em dezembro de 1964 (Cerca de R$57 mil pelo IGP-DI de maio/2010 segundo o portal calculoexato.com.br)
E termina dizendo que para acomodar 50 mil novos camponeses todos os anos, as despesas apenas de aparelhagem, supondo que seriam feitas em terras devolutas do Estado, teriam que ser de 115 milhões de cruzeiros novos (1,6 bilhão de reais pelo IGP-DI em 31/5/2010). Entretanto, considerando que:
Sem assistência social adequada e enérgica, o enxadeiro brasileiro e sua família serão, como os nossos pescadores, baratas tontas, que se afogarão pela falta dos mais simples rudimentos de economia agrícola e doméstica no pequeno mar de facilidades e responsabilidades atiradas às suas mãos inexperientes, ao seu cérebro virgem de noções de bem-viver, de saber viver e de administrar o que quer que seja (FARHAT, 1968, p. 199).
E foi o que aconteceu e continuará acontecendo: puro e simples desperdício de dinheiro público. Mas sua crônica dos atropelos governamentais não para por aí. Fala da obsessão pelo ‘fachadismo’ do governo de construir um mastodonte estatal chamado UNIVERSIDADE RURAL, no km 47 da Via Dutra, na saída do Rio de Janeiro, em lugar de centenas de pequenas escolas agrícolas para não "pulverizar a grandeza das coisas que o Estado (leia-se o ‘Meu governo’) deve fazer. Tem de ser uma Universidade Rural ‘como não há nenhuma no mundo’ (FARHAT, 1968, p. 201).
A mão seca do Estado-industrial... e a mão frouxa dos líderes-Madame-Pompadour
Um capítulo dedicado a nossa maior praga de todos os tempos, e sem a qual o Brasil não seria a porcaria política e governamental que é: o estatismo.
Madame Pompadour foi a amante de Luis XV que, vivendo em Versalhes, tornou-se célebre pelo tráfico de influências na Corte, recebendo diariamente todos os pretendentes a algum benefício real e concedendo favores de todos os tipos e espécie: uma alusão aos nossos políticos e figurões.
Para FARHAT (1968, p. 211), o problema se situa na união entre ‘nacionalismo’ com o fascismo, com o marxismo e o socialismo verde-amarelo. Às vezes o imbróglio junta até liberais e social-democratas, quando se trata de um projeto de lei. Com a democratização do país pós-Vargas, de 1955 a 1964, os comunistas tiveram acesso à cúpula das empresas estatais de então sendo um período em que “demonstraram à saciedade que defendem a estatização não apenas como ponto de vista ideológico, mas como um ESTRATEGEMA DE GUERRA, de ocupação de posições poderosas, quase todas, daí por diante, fortificadas pelo cimento emburrecedor do mito da ‘intocabilidade’.
Levados no ventre de certos candidatos presidenciais, com os quais barganharam o toma-lá-dá-cá dos irmãos-em-oportunismo, os comunistas penetraram nas diferentes cidadelas-industriais do Estado – Petrobras, SUDENE, BNDE, Cia. Siderúrgica Nacional, Leopoldina, Lloyd, Costeira, Correios e Telégrafos, Álcalis, etc, e se atiraram sobre todos os CARGOS ESTRATÉGICOS DE DIREÇÃO E CHEFIA, deslocando pelo terror e pela calúnia os seus antigos e apavorados ocupantes. Em cada uma dessas empresas, eles atacavam conjugando as manhas aprendidas em decênios de lutas diferentes em ambientes diversos; atacavam como formigas, na sua tática de infiltração por inclusão ou rastejamento, vindos por todos os canais, por baixo e por cima, pelos lados e pelos cantos, insinuando-se em fila indiana, ou espalhando-se em aterrorizadora correição...
Finalmente, os comunistas são pela criação e proliferação infinita de empresas estatais, mesmo nos regimes políticos a eles ferrenhamente adversos, MESMO QUE ELAS TEMPORARIAMENTE NÃO LHES CAIAM NAS MÃOS; pois sabem o quanto a estatização de cada setor da economia de um país livre representa para sua sempre sonhada, acalentada e inarredável estratégia da ‘marcha para o pior’, tão necessária ao clima político-social que é mais propício à sua expansão.
O essencial – anseiam eles – é que a gangrena comece em algum ponto do organismo da Nação; não importa onde, nem como. Quando o Estado, ainda que por obra de ingênuos políticos ou burocratas idealistas, coloca sua mão-seca de empresário inapelavelmente frustrado sobre um setor qualquer da economia nacional, os teoristas vermelhos sabem de antemão o que aí acontecerá mais hoje, mais amanhã: o ingurgitamento do empreguismo; a apoplexia do sinecurismo; o dilúvio do papelismo; a maratona de favores entre o “coitadismo”, o “concessionismo” e o protecionismo; as gordas enxurradas do desperdício; a ataraxia da inaptidão, da lerdeza, do boa-vidismo. E, um dia, afinal, o alijamento dos tímidos e matematicamente fracassados idealistas pelos técnicos do calculismo vermelho ou pelos serviçais das ‘linhas-auxiliares’
Como acentua o economista Roberto Campos, uma das características básicas do Estatismo é a “falta de sanção”. Disto resulta o “habeas corpus” da impunidade absoluta de que se valem todos os “istas” que frequentemente se dão as mãos nos corredores das empresas estatais – para levá-las a total ineficiência ou completa dilapidação. Essa “falta de sanção”... tem sido o convite ao cinismo desabusado, praticado sob o pálio verde-amarelo da “intocabilidade” e do “nacionalismo” (FARHAT, 1968, p. 212-213).
E Emil FARHAT desfila uma amostra do caos estatal dos anos 60, com os portuários recebendo nada menos que “56 vantagens extra-adicionais!”. Ou o caso da Petrobras, que desde essa época paga gratificação de ‘periculosidade’ distribuída ‘até para os funcionários instalados no escritório central situado em plena Av. Presidente Vargas no Rio e no próprio escritório em Nova York” . O mesmo acontecia com os funcionários da Rede Ferroviária Federal mesmo trabalhando nos escritórios da Cidade Maravilhosa. “Aliás, ainda a propósito da Rede, é curioso salientar que aquilo que antigos empresários particulares puniam com advertência ou suspensão – chegar o trem atrasado – tornou-se na rendosa indústria das ‘horas extraordinárias’ de ‘trabalho’, razão por que em todas as ferrovias da Rede ‘nacionalizada’ os comboios já partiam atrasados, desde sua estação inicial....” (FARHAT, 1968, p. 213-214).
Ninguém nunca pensou em somar ao já cosmogônico ‘déficit’ das autarquias industriais o que elas DEIXAM DE PAGAR DE IMPOSTO DE RENDA. Se, nessas áreas, ao invés das perdulárias empresas-manicômios ‘administradas’ pelo Estado, estivessem atuando eficientes empresas particulares, não só o país não sofreria sangrias, empobrecedores prejuízos como, pelo contrário, receberia receitas formidáveis de impostos, principalmente o de renda.
Muitos dos ingênuos defensores da estatização não atentaram para esse duplo aspecto da brutal sangradura com que essas empresas-chupins, as autarquias industriais, haraquirizam o corpo da Nação: além da dilapidação pelos prejuízos, NÃO PAGAM IMPOSTO DE RENDA, por causa mesmo desses prejuízos; mas, se não os apresentassem, também não os pagariam, protegidas que são quase todas pelas ISENÇÕES DE IMPOSTOS com que, de antemão, o legislador ou o governo procuraram acobertar a sua matematicamente infalível incapacidade administrativa...
Houve até um deputado federal que, no ano da graça de 1963, levando ao paroxismo o truque da ‘intocabilidade’, apresentou um projeto que estendia a tal ponto a ‘proteção’ à Petrobras que isentaria de impostos e taxas ‘TODA E QUALQUER transação que fosse realizada’ POR ELA OU COM ELA; esse projeto levava os ‘direitos’ dessa empresa até o extremo de ela poder IMPORTAR O QUE QUER QUE FOSSE SEM NENHUMA FISCALIZAÇÃO NEM SATISFAÇÃO À PRÓPRIA ALFÂNDEGA FEDERAL” (FARHAT, 1967, p. 214-215).
Esse é o ponto! Aqui FARHAT chega ao âmago da questão: começando pelos comunistas, e depois pela velha esquerda, e por último a classe média – todos preferem o sistema estatal brasileiro. Este consegue satisfazer a todos: aos comunistas pela ausência de sanções, pela dispensa de competência e assim por diante; à classe média, pela estabilidade no emprego e pela ascensão baseada em ridículos planos de carreira; para os bocejantes, pela possibilidade de levar a vida fácil e aos espertalhões, pela possibilidade de gazetear à vontade com salário garantido no fim do mês.
Com essa frente única que abrange uma boa parte da brasilidade é natural que uma figura política que ofereça sinecuras estatais ao povo seja uma bomba-relógio política de alta relevância no patropi. Aliás, em seu livro de memórias, escrito entre 1995-96 (faleceu no ano 2000), FARHAT conta que quando os aliados ganharam a guerra e a democratização avançava na marra, destruindo as barreiras da ditadura do Estado Novo, com Getúlio nos últimos dias de governo, como membro da Esquerda Democrática (facção da UDN que mais tarde geraria o PSB), foi com uma delegação procurar Prestes recém saído da prisão. A ideia era criar uma unidade da oposição ao Estado Novo para o futuro da abertura. Ao se reunir com o ‘Cavaleiro da Esperança’, FARHAT ficou perplexo ao ver Prestes falando em apoiar a ‘Constituinte com Getúlio’, uma proposta dos comunistas que era – na opinião dele – completamente incabível para a conjuntura. Ao pedir a palavra para manifestar seu estranhamento pela posição de Prestes, argumentando que o líder comunista não podia moralmente apoiar um ditador que não só lhe tinha preso e torturado por quase 10 anos, como enviado sua mulher grávida para os campos de concentração nazista, Prestes lhe interrompeu agressivamente com um ‘cale-se, você não tem nada a ver com isso’. Tentou falar mais duas vezes e foi novamente hostilizado por Prestes a ponto de ter de efetivamente deixar seus colegas levar a proposta da nova Constituinte sozinhos ao líder comunista. É que FARHAT não percebera que os comunistas estavam todos empregados na máquina estatal criada por Getúlio, a mesma máquina cujos desatinos estão narrados na seção DNABrasil sob o título ‘O Desperdício do Capital Social’.
Felizmente os militares derrubaram Getúlio poucos dias depois, convocando as eleições que elegeram Dutra com apoio dos comunistas contra Eduardo Gomes, o candidato anti-Getúlio. A máquina estatal já estava pronta para dar ao país o resultado de seu retumbante fracasso.
A confusão entre estatismo e o bem do Estado, o bem público, é a tese em que FARHAT se propõe a demonstrar como um axioma matemático: “o estado não é essa coisa vaga, ideal, abstrata, como aparece na imaginação de muitos, mas sim uma coisa muito palpável, que é o grupo político ou partidário que está no poder” (p. 220).
É incrível como, no Brasil, políticos e partidos bem intencionados sempre votaram quase abulicamente todas as leis que criavam ou ampliavam autarquias industriais do Estado. Amedrontados por palavras e por preconceitos, eles não viam que isto era ampliar ao infinito os poleiros eleitorais de um bandoleirismo partidário que, sem nenhum pejo ou escrúpulo, considerava a Nação sua fazenda, e essas empresas os seus currais e galinheiros, onde cevavam seu gado de pelo e pena, para os rega-bofes de boca de urna, que os eternizavam no poder.
E quando os tartufos ‘modestamente’ imaginavam mais uma empresa, para dar vazão às suas necessidades de empreguismo correligionário a granel, os ingênuos retrucavam com ainda maior arroubo ‘progressista’, oferecendo logo o galinheiro de inacabáveis poleiros, de um novo monopólio estatal...
Cegamente, os bisonhos políticos liberais não viam que o grupo estatista-empreguista queria apenas assegurar para si e para os seus a facilidade de ‘dispor’ de mais uma empresa ‘do Estado’, queria a facilidade, que ela sempre assegurava, de seus rebentos e protegidos, correligionários e ‘peixinhos’, nela poder entrar, MESMO SEM COMPETÊNCIA, e nela poder subir, MESMO SEM MERECIMENTO.
Aliás, não há mais político-empreguista pelo Brasil afora que ainda não tenha entrevisto a imensa prestimosidade eleitoreira de uma empresa estatal, por modesta que seja... Já de há muito, certos vivazes assessores palacianos pressentiram existir um inédito e importante ‘fator de produtividade’ a buscar nessas organizações: a sua alta rentabilidade de empregos a serem distribuídos e de cabos-eleitorais a serem atendidos” (FARHAT, 1968, p. 221-222).
Reitero ao leitor que essas observações são de 1967. Com as privatizações no governo FHC, boa parte do descalabro foi eliminado, especialmente no setor siderúrgico e de telecomunicações, passando os entes estatais privatizados a dar recursos à Nação, de cuja estabilidade proporcionou a ascensão da demagogia populista dos últimos anos. Agora, começa a voltar a ressurreição dos cadáveres daquela época, como a recente recriação da Telebrás, consubstanciada em empreendedorismo de um governo sindicalista que vai na direção da mesma tragédia, e confirma o que Emil FARHAT enfatiza com sua lucidez cristalina: o estatismo é uma aliança entre correntes políticas divergentes para uma mesma finalidade política, e neste balaio de gatos não por acaso estão empresas inspiradas na estreiteza estratégica dos antigos comandantes militares junto aos sindicalistas do século XXI.
Para FARHAT, o estatismo deve ser analisado como um fenômeno só: do nazismo ao comunismo, da pseudo-democracia ao subdesenvolvimento social. E modernamente até como um esbulho da religião, como no caso das teocracias islâmicas. Em plena guerra fria, ele apresenta o contraste entre as economias do leste europeu e as do oeste, as diferenças sociais e culturais, a opressão humana na negação da liberdade de empreender, de manifestar um pensamento fora do âmbito oficial, as diferenças no nível de vida. E não deixa de manifestar sua perplexidade com a questão do petróleo no Brasil:
A Petrobras informava, retardatariamente, em 1964, que, valendo-se de todas as suas facilidades e das verbas imensas de que dispunha, e ainda dos seus (então) 30 mil funcionários, havia atingido a ‘performance’ total de 441 poços perfurados nos anos de 1961 a 1962; isto quando indivíduos e empresas particulares ‘atiçados pela ambição’ perfuravam no mesmo período 1.033 poços na Venezuela, 4.450 no Canadá e ‘apenas’ 90.000 nos EUA.
Na própria Argentina, após quase 50 anos de monopólio estatal do petróleo (YAPF), fora finalmente admitida a associação de empresas privadas, tendo sido perfurados, de imediato, no período 1961-1962 (governo Frondizi) nada menos que 2.906 poços. Isto bastou para tornar o país autossuficiente, e até exportador (para o Brasil) de gasolina e gás butano... ...Aliás, o Brasil, apesar de ter supostamente “um sexto das prováveis reservas mundiais de petróleo’, também é ‘beneficiado’ há quase 3 décadas (desde a fundação do Cons. Nac. do Petróleo) pelo mesmo raciocínio de antimatemática financeira, no que diz respeito à exploração do nosso subsolo eventualmente petrolífero.
Estabeleceu-se aqui o monopólio estatal do petróleo para impedir que estrangeiros, tirando-o do subsolo brasileiro, tivessem lucros que poderiam ser ‘nossos’. Ora, pelo VOLUME ATUAL (1967) das nossas compras forçadas de petróleo ao exterior, as companhias alienígenas que aqui extraíssem essas quantidades dos campos locais, e as entregassem ao consumo interno, estariam, pelo montante das vendas, obtendo um lucro líquido máximo de 8 a 15 milhões de dólares – quantia que certamente remeteriam para fora, se aqui não precisassem reinvestir nada. O RESTO, porém, FICARIA NO BRASIL, sob a forma de ‘royalties’ ao governo brasileiro (como na Argentina e Venezuela), de outros impostos inclusive o de renda, ou de taxas assistenciais, ou em salários ou em compras de material de toda natureza necessário para escritórios e armazéns, ou ainda em alugueis, etc.
Resultado objetivo, no presente, da ‘matemática’ antibrasileira do ‘raciocínio nacionalisteiro: para impedir que os ‘imperialistas’ viessem a remeter de 8 a 15 milhões de dólares em lucros do seu negócio brasileiro de petróleo, estávamos enviando, anualmente, em escala crescente, para os mesmíssimos ‘imperialistas’, 250, 300 e dentro em pouco, 500 ou 600 milhões de dólares para comprar petróleo dos seus negócios kuwaitianos, iemenitas ou venezuelanos... Isto é, o Brasil, estava pagando TUDO, os lucros e as despesas operacionais, que os ‘imperialistas’ eram forçados a fazer nos países de onde extraíam o petróleo que nos vendiam...
... Graças a Deus, impulsionado pela alta octanagem da força de vontade dos brasileiros que produzem, a tendência do progresso nacional será atingir uma energia de expansão algebricamente crescente. Como será que, furando poços com horário de repartição, e tirando petróleo em colheradas, o monopólio estatal irá cumprir a sua parte, de IMPEDIR QUE O BRASIL TENHA DE MANDAR ANUALMENTE CENTENAS, cada vez mais numerosas, DE MILHÕES DE DÓLARES para comprar lá fora aquilo que, segundo os técnicos, forma oceanos intocados no subsolo nacional?
Doze anos após criado o monopólio estatal especificamente encarregado de refinar e extrair petróleo (nota: 1965), ainda estávamos produzindo apenas 35% das necessidades nacionais. Se levarmos em conta a inescondível MAIOR VELOCIDADE DO CONSUMO do que da produção, talvez ainda decorram 20 anos para atingirmos a autossuficiência. Até lá, o Brasil se terá sangrado em DEZENAS DE BILHÕES DE DÓLARES, pagando, como um caipira, no ‘embrulho’ do petróleo que nos vem de fora, também os salários, os impostos, as taxas, e os selos, os dourados ‘royalties’, as despesas todas cobradas pelos países que ‘ingenuamente’ deixam tirar o ouro negro, mas jeitosamente ‘arrancam o couro’ de quem o tira. E, dos tolos, ou coitados, que depois são forçados a comprá-lo” (FARHAT, 1968, p. 241-341).