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segunda-feira, 3 de abril de 2023

A Insondável Matéria do Esquecimento 2 — O Espadachim de Chinelo

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo

O Segundo Ato da Comédia Brasileira

O fracasso do Santo Tanso e seu partido produziu a vertiginosa ascensão do Espadachim de Chinelo que, ao fim, pelo próprio fracasso, e com o confinamento causado pela Pandemia, abre espaço para a reorganização orgânica da Corrupção, produzindo a erosão dos valores conquistados com a Lava Jato e o retorno do Santo Tanso ao poder.

De 2018 a 2022 o Brasil viveu sob a agonia da disjunção social que o volume 2 desta coleção aborda com o Espadachim de Chinelo.

O Volume 1, publicado em 2019, com o título 'O Santo Tanso e o Pomposo Psicopompo', contextualiza o cotidiano do Hotel La Sereníssima. Alex (Alex Bourgnignon), proprietário do Hotel, fizera uma carreira em hotelaria, nos Estados Unidos, e, com suas economias, investiu numa Winery em Miami, de onde teve de retornar, com a morte de seu pai, um pecuarista de Campo Grande.

Filho único de pai viúvo, Alex vendeu a fazenda que herdara de seu pai, e com o dinheiro arrematou em um leilão, um imóvel localizado próximo à Avenida Paulista, e o transformou no Hotel La Sereníssima.

Montou uma equipe em que se destacaram duas pessoas: Zuzu (Zuleika Maria Ficher) e Aldus (Adroaldo), ex-colega de faculdade. Zuzu era relações públicas e promotora de eventos. Tornou-se amante de Alex, que vivia no último andar do Hotel em um acesso oculto a que chamava de bunker. Zuzu ocupava um apartamento no quinto andar. Aldus fazia a ponte na organização de eventos.

Pela fama, o Hotel hospedava lideranças políticas, desde sindicalistas a deputados e senadores, incluindo um certo presidente da República, pessoas da sociedade, jornalistas e intelectuais. Esses personagens recriam o ambiente social e político do Brasil no período, e que o leitor certamente saberá identificar.

O Santo Tanso e o Pomposo Psicopompo (Volume I) é uma paródia das duas personalidades brasileiras mais importantes do período descrito pelo livro: Pancrácio e Belisário. O primeiro, considerado o maior líder populista do Brasil, alcunhado de Pancrácio, e o segundo, um filósofo autodidata e ex-astrólogo que leva o adjetivo de psicopompo por analogia com um personagem mitológico grego que conduzia seus seguidores para o submundo dos mortos – onde o autor prognosticou que a direita iria morrer –, na novela, chamado de Belisário. Esses personagens de La Sereníssima reaparecem apenas na segunda parte deste Volume 2, exceto na apresentação do capítulo 1. Todo o resto trata da nova governança do país depois de 2018, enquanto o volume 1, das lideranças que o precederam.

O título geral A Insondável Matéria do Esquecimento não é arbitrário. No volume 1, chamo a atenção para três casos típicos de nossa cultura da corrupção descritos nos ensaios dos livros de Muniz (Moniz) de Souza, no início do século XIX, e de Afrânio do Amaral, nos anos 1930, completando com uma descrição sobre a tragédia moral e material do empreendedor petrolífero Edson Cordeiro, também nos anos 1930. Foram exemplos de combatentes que nos legaram uma análise lúcida de um Brasil em que a corrupção está “materializada” em práticas e costumes de coesão social dos poderes estatais e governamentais desde nossa formação histórica – e que permanecem associadas ao caráter hegemônico do Poder Nacional, capazes de expelir as resistências racionais que eventualmente se levantam contra essa substância filogenética chamada corrupção, como demonstrou o desmanche da Operação Lava Jato.

Assim, o primeiro volume intercala análise social, crítica de costumes e sátira política. Uma forma cada vez mais comum de representar a literatura no mundo globalizado, em que a ficção e ensaio se combinam ao mundo subjetivo dos personagens, e se relacionam com as reverberações sociais de uma sociedade em crise, onde a corrupção material e moral, política e instrumental, é o fio condutor da atividade das elites. O mesmo ocorre no Espadachim de Chinelo. Neste livro, a primeira parte trata da gênese do capitão Gansolero, desde sua expulsão do exército até a tomada do poder e sua mazzaropiana gestão. Na segunda parte, entra em tela a pandemia e suas aflições sobre a vida de Alex, Zuzu e Aldus, com desdobramentos que levam ao salve-se quem puder do colapso econômico, social e moral do país que todos presenciamos perplexos e humilhados.

O Espadachim de Chinelo pode ser obtido em papel na editora online neste link.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

Ópios e Rodopios nos Trópicos

"Retirado en la paz de estos desiertos,
com pocos, pero doctos, libros juntos,
vivo en conversación com los difuntos
y escucho com mis ojos a los muertos"
Quevedo

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O Último Barroco

Um grupo de estudantes gravitando em torno de uma república chamada Amarelinha tem na irreverência a agregação potencializadora de expectativas que buscam a satisfação de conflitos existenciais.

Em linguagem ornamental, o livro vai revelando o autor como "o último barroco” por ressuscitar um passado parnasiano perdido na correria do progresso, extraviado em meio à comunicação verbal direta e sem brilhantismo que segue as transformações tecnológicas impostas pela agilidade do viver.

Em um mundo de mensagens abreviadas, de manchetes e chamadas curtas, faz algum sentido retomar o exercício da fala rebuscada e erudita? O livro mostra que não pode haver erudição em literatura sem que a própria linguagem seja sua expressão vibrante.

Inicialmente, um texto tão prolífico pode causar estranheza, mas o leitor logo percebe que o exagero associado à exuberância existencial é próprio de quem leva o inconformismo para a realidade do agir e sentir.

Que tipo de inconformismo se pode esperar de uma sociedade arcaica senão reagindo com violência verbal? Na atmosfera asfixiante do regime militar de então, o único recurso era a retórica debochada, o riso sarcástico, a ironia sardônica.

A busca do novo, a vontade de ser outro, de estar longe, com outra gente, e valores diferentes dos convencionais, foram o substrato de toda aquela geração universitária.

O conflito entre o indivíduo e uma sociedade medíocre, que reduz a inteligência a cinzas, a fugas de alívio e contentamento — arte culinária e prostituição, música clássica e jazz, álcool e cigarros, repressão e medo, boemia alucinada —, atravessa o livro com extravagância até desembocar no romance entre uma pintora e um estudante que se envolvem num rodopio de paixão instantânea, seguido de solidão e desencontro.

A ausência se traduz em amor na solidão, no desejo do reencontro, no fim de curso, de época, de um tempo que nunca mais voltará.

A busca do novo, a vontade de ser outro, de estar em outro lugar com outra gente, com outros valores diferentes dos convencionais são o substrato de toda uma geração universitária.

Estamos vivendo uma época que vai repetindo o passado assombrosamente. Vivemos de fracasso em fracasso, como cantava Nelson Gonçalves na canção de Mário Lago. Nela, o fracasso é não poder se esquecer de um amor — "fracasso por compreender que devo esquecer / fracasso porque já sei que não esquecerei / fracasso, fracasso, fracasso, fracasso afinal / por te querer tanto bem e me fazer tanto mal". Em nosso momento histórico, por esquecer o que passou e nos querer tanto mal a ponto de repetir os mesmos erros.